quarta-feira, janeiro 23, 2008

escrito e publicado.

Texto longo, um dos únicos que escrevi.

Ela não era tão bonita nem muito amigável. Sempre pra dentro, ninguém merecia saber o que ela pensava, e ela pensava muito, guardava tudo pra ele. Desde o dia que seu avô sentou ao seu lado durante a novela e falou, minha filha vê se arruma um homem pra te aturar porque eu não agüento mais um mulher desiludida nessa casa. Agora, vô? Ela perguntou. Não. No tempo certo, e assim ele terminou o papo.

Na época ela não sabia muito bem o que significava desiludida não, mas supôs que ele falava sobre as suas tias solteironas apaixonadas por homens indispostos, que vez ou outra começavam a lamentar a solidão. Por causa do que o avô falou, ela foi perguntar a avó quando e como ela conseguiria um homem, a avó preparando o almoço quase derrubou o macarrão no chão, e ainda atônita disparou: você anda assistindo muita novela, que história é essa? Já não bastam as suas tias desesperadas, você também já quer um homem? - Ela se defendeu -, não vovó foi o vovô que mandou eu arranjar um no tempo certo, como não sei quando é esse tempo resolvi perguntar. Mas onde já se viu, só podia ser aquele velho louco pra colocar caraminholas na sua cabeça.

Minha filha sempre foi assim, tem uma hora que a mulher tem que arrumar um homem. Foi assim com a sua mãe, comigo, com a sua bisavó, está no destino da mulher precisar, procurar e ter um homem. O que eu não concordo. Você nunca vai precisar de um homem filha, nunca! Porém vai achar que precisa, e isso é um erro. O homem só serve pra machucar o coração da gente, dar trabalho, filhos e mais trabalho, às vezes só as vezes e bem no começo é que eles fazem bem. Entende? Ela disse tudo isso encarando a guria que não ousava piscar os olhos, prestando atenção em tudo que a avó dizia. Vó?! Não entendo não. Porque é que a gente não precisa e acaba achando que precisa? E porque é que o homem machuca o coração da gente e só dá trabalho e filhos e ainda assim a gente acabar querendo? Diz a menina atropelando as palavras. Não sei. E olha que eu tenho o seu avô ao meu lado a 30 anos, tem tanto tempo que nem me lembro quando eu precisei dele, entretanto, lembro sim o dia que quis seu avô _ A velha continua narrando a história nostálgica _ lembro sim claro, o seu avô era um homem alto, robusto e muito, muito magro.
É verdade ele não era tão bonito. Sim, era sim pelo menos pra mim. Pois quando ele falava eu flutuava, quando eu falava ele ouvia tão atentamente que até parecia que ele estava transcrevendo todas as palavras para um jornal. É verdade como haveria de esquecer... aquele olhar sempre atento, aquele dengo todo, tanta atenção meu Deus... Então vó quer dizer que ele te fazia bem? E onde fica o machucado no coração e o trabalho? - Pergunta a petulante menina - não sei filha, não sei. Hoje não há aquela atenção toda, muito menos o dengo. Hoje eu não preciso dizer mais nada o teu avô agora conversa com o meu olhar, e eu com o dele.

É, talvez eu reclame sem motivos, ele nunca me deu tanto trabalho assim, as vezes uma coisinha ou outra, mas eu também gosto de deixar tudo em ordem para ele. Meu velho como era bom... Então homem é bom? E esse história de precisar sem querer? Atropela a menina já sem entender nada. Minha querida você é tão jovem e eu já estou tão velha, e ainda sim, nem eu e muito menos você consegue entender como e porque o homem é bom e ruim; dá trabalho e comove o coração da gente, minha pequena como eu já disse, com a sua mãe foi assim, comigo e com sua bisavó também. Não há o que mudar, tudo indica que será assim com você também. Claro que para isso você não pode ter o gosto pra homem das suas tias.
Vai tem uma hora, e foi isso que o seu avô quis dizer com tempo certo, que você vai conhecer um homem e irá gostar muito dele, e ele será bonito pelo menos pra você ele será, e também muito atento ao que você irá dizer mesmo que você diga as piores bobagens e várias vezes até parecerá que ele transcreve tudo para um jornal como o seu avô. E você sempre vai procurar as melhores histórias para contar, os melhores causos, e criar enredos dignos de novela, e ele sempre ouvirá você. E há de chegar um dia, vocês já estarão casados e quando esse dia chegar você não irá precisar contar e dizer mais nada e ele já estará lendo o seu olhar; adiantando seus gestos; balbuciando suas possíveis palavras e isso sempre fará você lembrar o porque e o quanto você o quis.
Então tá vovó já que tem tempo certo e eu não preciso me preocupar em procurar agora só falta inventar as histórias que irei contar.

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