segunda-feira, abril 09, 2012

Eu e Portinari

Você não percebe mas eu sou muito só - não sozinha, porque sim eu tenho muita, muita gente mesmo ao redor - não é sobre a solidão física que estou me referindo é sobre o que há dentro. Não existiram muitas pessoas que foram fundo, por causa de mim, por causa delas. Não sei, é que eu tenho umas cercas a mais, e critérios de quem pode ou não passar por essa ou por aquela cerca é um jeito de administrar a coisa não julgue. É que se eu fosse sem trancas não seria seguro.
Eu entro nas pessoas, é estranho isso, eu realmente entro nas pessoas, porém não é todo mundo que eu deixo entrar porque as pessoas podem me machucar, porque eu posso machucar as pessoas com o que há aqui dentro. Não tenho como me defender de mim, assim como me guardar é a única forma de proteger os outros da minha tristeza, que quase nunca se mostra. Que vive escondida no canto de um riso solto, de chistes e que reside em uma ou duas frases secas e cruel quando alguém me pede um pouquinho de realidade. É que eu não poderia ter vivido tudo e continuar a mesma meninoca que adora o colo do avô, porque nem o meu avô existe mais. Imagine uma exposição de um artista desconhecido que não assina seus quadros, imagine um galeria com quadros amontoados - quando eu penso nos meu sentimentos lembro dos quadros do Portinari, pois sim - são como os quadros do Portinari sobre a seca, são crus, são doloridos de tão reais que são, estão amontoados e também não estão organizados por tema ou estilo, são os quadros que contam sobre o que passei e nada foi esquecido, está tudo lá. Cada dor, cada despedida, cada escolha. Minha. Dos outros. E as vezes sabe, apago a luz da galeria e deixo de ver, e até parece por alguns dias que estes quadros nem existem, mas a vida me obriga a acender a luz para lembrar que está é minha história e não pode ser esquecida.
Não tenho vergonha dos meus quadros, claro que por muitos anos tive medo deles - como quando conheci Portinari e fiquei com medo dos rostos da seca - mas eu cresci e não tenho mais medo. Tem alguns que eu até tenho uma afeto maior, que quietinha sento a sua frente, fecho os olhos e medito e consigo vivê-los novamente. Porque eu acabei criando afeto por algumas dores, e não se larga afetos da infância. Como não dá também pra se desfazer de pai e mãe. Do sangue. Fisicamente sou esta, não posso ser outra e nem quero ser. Do meu passado sobraram estes quadros que são coleção particular. Fui eu, foi o jeito que eu achei de sobreviver. Quem sou hoje? Não importa. Porque o presente é um caminho que estou percorrendo, são outras escolhas e outras revelações. Sei que ainda ei de pintar tantos outros quadros, felizes ou não. O que eu não posso mesmo é me afastar do real.
E hoje eu lembrei de quando eu deitava e via estes quadros no telhado da casa da minha mãe. No meu antigo quarto onde eu deixei alguns quadros que eu nunca mais quero ver.

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