segunda-feira, setembro 13, 2010

Sobre o encantamento e até a falta dele

Nasci assim. Desde que eu me entendo por gente sou encantada. Amo o movimento das pessoas, da natureza e das coisas. Observo mesmo que nem sempre calada, como tudo funciona sem ordens, sem punições. Mesmo que eu pare, que interrompa o passo, o passarinho sob mim ainda voa, a brisa ainda bagunça o meu cabelo, o sinal abre, o carro segue e eu fico boba-boba de ver tudo acontecer. E mesmo assim encantada com tudo isso, ainda fico assustada por não determinar nada, porque é defeito meu não gostar de perder o controle das coisas. Percebo que sou mais espectadora do meu mundo do que protagonista. Boa parte de tudo que é poético e nobre nas minhas experiências não veem de mim está por aí, pronto, gratuito e livre. Porque os meus movimentos são pensados, mesmo que as vezes nem tanto assim, as minhas palavras precisaram ser de outras pessoas para serem minhas um dia, o ideal de vida que tenho é um misto das minhas observações cotidianas do outro. Sou um "mistura-braba" de lugares, pessoas e pensamentos. Sou o outro mesmo quando tenho total convicção de que estou vivendo a minha verdade. Nunca fui, sempre estive sendo. A única verdade sobre mim que é imutável é o que eu não sou, nem pretendo ser. O resto é metamorfose.
Sou feira dia de sábado, chão sujo, gritos, cheiros e sabores. Sou a intensidade do que eu vivo, do que leio. Das minhas observações tiro as minhas felicidades cotidianas. Meu jeito de ver a vida muda todos os dias dependendo do humor que tenho quando acordo, isso me mantém no pique para suportar a vida que levo atribulada com tanto trabalho. Tenho dias de pânico, onde o sofrimento alheio me doí muito e eu me sinto pequena e fraca. Tive isso no ônibus outro dia, chorei copiosamente por não possui as minhas próprias respostas, quanto mais o que faz tanta gente sofrer de tantas formas. As vezes acordo boba admirando o silêncio que eu quase nunca me permito vivenciar, saio de casa com raiva da chuva, me irrito com o ônibus cheio, chego no trabalho e faço todo mundo rir pra não enlouquecer de tédio. Almoço na rua. Vou para o segundo emprego e tento não dá com a cara no monitor de tanto sono. Volto pra casa num outro ônibus cheio ouvindo música e cantando baixinho. Visto o casaco, fecho o guarda-chuva e desço do ônibus uma quadra antes de casa pra aproveitar a chuva.Tem horas que me pego pensando que eu não tenho a mínima ideia de onde essa inquietação e esse encantamento vai dar, ou o quanto ele vai durar.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Sobre o que me compõe

Entendi depois de muito tempo que nem todo amor tem que ser vivido até o osso. Que alguns amores podem ser guardados, e até ficam melhores com tempo, desde que de vez em quando você o visite. Porque sempre tive problemas para distanciar-me, tornar-me inatingível ao encantamento que comove nos olhos dos que merecem amor. Sempre amei aos montes, mesmo ouvindo que isso não era possível. Que não haveria espaço dentro de mim para tanto. Consegui provar para mim mesma que eu posso alojar todo o amor que existe em mim nos meus cantos, mesmo que as vezes se misture com minhas entranhas, que eu me confunda um pouco com os espaços vazios que ainda existem. Mesmo que um dia eu me torne só amor, eu corro o risco e amontoou.
Amontoou pessoas, histórias, ex-namorados, irmãos, amigos e até um pouquinho mais, palavras, músicas, autores e livros. Amo a ideia de ser caixa vazia, de não possuir divisórias e poder suportar qualquer tamanho. Qualquer entrega. Quero continuar defendendo com atitudes e gestos - sutis-ou não - que o amor pode ser redimensionado.
Que o amor para ser vivido tem que ser compreendido em sua essência e tudo começa com o respeito. O respeito é a base de qualquer tipo de amor - mesmo que seja clichê é a grande verdade - que o amor redimensionado pode ser remédio para curar passado doído, pode ser alicerce pro futuro desconhecido. O amor nunca é à toa. O amado da gente (seja o que/quem for) é pra sempre da gente, daquele jeitinho particular que a gente criou, internalizou e desejou que fosse. Porque também há essa possibilidade: de o amor não ser o que a gente vê. Não é obrigação do outro, nem nós mesmos podemos ser coagidos a tornarmo-nos o que o outro espera da gente.
O amor veem dentro de um caminhão desenfreado, ou da sutileza da brisa da primavera e nunca do que a gente espera. Do que nós pensamos que o diferencia. O amor é alheio e ainda sim parte de nós de uma maneira inexplicavelmente intensa.
Não sei explicar como todas essas pessoas e coisas tão especiais e significativas vivem amontoadas dentro de mim, da mesma maneira que eu não saberia explicar porque não consigo viver sem todas elas. O amor guardado, o amor vivido até o osso, o amor de irmão, o amor interrompido, o redimensionado, todos eles se fundem e me compõem. Eu sou o amor, o resto são só ossos e entranhas. E claro, eu só existo sendo palavra mais aí é outra história.